Disparidade entre salários de executivos e analistas abre questionamento sobre sustentabilidade nas organizações

RIO – Se o funcionário é contratado, por uma empresa em atuação no Brasil, ganhando R$ 3 mil, seu diretor terá salário, em média, de R$ 30 mil. É o que indica pesquisa feita em 14 países pelo Hay Group: por aqui, quem tem cargo executivo ganha dez vezes mais do que um profissional em nível de analista, ou seja, com formação superior. Outra parte do estudo diz ainda que entre os executivos de nove países, incluindo-se alemães e americanos, os brasileiros são os mais bem pagos.

Reflexos do bom momento que a economia nacional vive, os dados trazem repercussões para a discussão que engloba a questão dos empregos “verdes” e suas lideranças. Afinal, desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental são os três pilares da sustentabilidade que devem ser levados em conta pelo mercado.

Em uma palestra durante a Rio+20, que discutia carreiras verdes e futuras lideranças, o empresário Marcos Tanaka, CEO da Boo-Box, levantou a hipótese de que, para se chegar a um ideal sustentável, a diferença entre os salários de executivos e de profissionais nas empresas precisaria ser menor. E que o momento seria, agora, de convencer futuros líderes de que ser verde significa, também, ganhar menos. Mas será que esse é, de fato, o caminho para atingir a sustentabilidade nos três âmbitos?

Vinculando bônus a metas sustentáveis

— A questão da discrepância dos salários é apenas um dos itens que pode definir se uma empresa é sustentável. Quanto menor a disparidade, incluindo também as desiguldades de gênero, maior o índice de sustentabilidade. Mas não é apenas isso. Há todo um conjunto de indicadores e, inclusive, existem fatores mais importantes — defende Ricardo Voltolini, autor do livro “Conversas com líderes sustentáveis” e presidente da Ideia Sustentável, consultoria especializada em estratégia e inteligência em sustentabilidade.

Entre os itens que fazem mais diferença Voltolini destaca, por exemplo, a importância de se atrelar a remuneração variável ao cumprimento do plano de sustentabilidade da empresa.

— Hoje, basicamente, os bônus são vinculados principalmente ao resultado financeiro e econômico. Se uma empresa estabelece metas claras de sustentabilidade e coloca os executivos para batê-las, todos podem sair ganhando. Inclusive os líderes, que ficarão mais motivados — acredita Voltolini.

Fernanda Amorim, da Michael Page, acredita que, no contexto em que o Brasil se encontra, dificilmente a proposta do empresário paulista seria bem aceita pela maioria dos executivos. E ela atribui isso aos anos passados de estagnação econômica:

— O ambiente de negócios é muito mais movimentado do que era há 15 anos. Quem está em nível de média e alta gerência quer continuar dando passos à frente. É natural.

Quando se pensa na discrepância entre o que ganha um executivo e um analista, a especialista da Michael Page destaca que é importante, também, levar em conta o contexto local.

— Na Europa, por exemplo, os profissionais tendem a entrar no mercado de trabalho mais tarde do que no Brasil, com mais anos de estudo, mais qualificação, o que pode ajudar a explicar essa diferença — pondera Fernanda.

E isso está relacionado, ainda, à maturidade das economias.

— Nos países emergentes, a diferença é maior também por reflexo das questões sociais. Nos Estados Unidos, por exemplo, quase todos podem comprar um carro. No Brasil e na Índia, esse nível econômico ainda não foi atingido — registra Olavo Chiaradia, diretor da Área de Informações sobre Remuneração do Hay Group.

A questão dos altos salários entre os profissionais mais bem preparados, ainda segundo os especialistas, é reflexo também do momento que o Brasil vive, de mercado aquecido e apagão de talentos.

— Se você perguntar a qualquer empresário ou executivo se ele quer ganhar menos, ele vai dizer que não. Mas, se for importante para o negócio e para o crescimento da empresa, ele o fará sempre — garante Rafael Liporace, sócio da Biruta Mídias Mirabolantes, que diz, ele próprio, já ter feito essa opção algumas vezes em sua carreira.

Ainda segundo o Hay Group, o Japão tem o índice mais baixo entre os 14 países pesquisados: a discrepância de ganhos entre executivos e funcionários com formação superior é de 3,2. Na outra ponta do ranking, é a Índia que apresenta a maior diferença — 15,7 vezes. Lado a lado com o Brasil, a China também apresenta proporção de 10 pra 1. Na vizinhança, Chile paga oito vezes mais e Argentina, 6,6.

Os salários mais altos dos executivos justificam-se, também, pelas maiores responsabilidades que detêm. É o que lembra o consultor empresarial e sócio da Jungle Gym Brazyl, Alexander Assis.

— É natural que os executivos sejam remunerados de acordo com a responsabilidade que têm. Porém, não pode existir sociedade sustentável com salários tão diferentes — acredita Assis, acentuando que não quer ganhar sozinho. — Quero que todo mundo ganhe.

O canadense Daniel Perestrelo, diretor-presidente da importadora Luxo Embalado — que vive há vários anos fazendo a ponte entre Brasil e Canadá — confirma que, por aqui, a distância financeira entre a base e o topo da pirâmide profissional é maior.

— Porém, esses dois ambientes são completamente diferentes. O volume e ritmo de trabalho de um diretor por lá é muito inferior ao volume e ritmo de um diretor que trabalha em uma economia em expansão, como o Brasil — destaca Perestrelo, que não acha que haja viabilidade na ideia de fazer com que os executivos reduzam os ganhos. — Quando um empresário fatura milhões, ganhar menos em prol de um mundo sustentável é algo teoricamente aceitável, mas, quando estudamos a situação de pequenos e médios empresários, a questão muda de figura.

Já para Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu, diminuir os salários dos executivos seria, sim, um caminho para se chegar mais rapidamente a um nível ideal de sustentabilidade — embora fazer somente isso, admite, não seja suficiente para resolver todos os problemas.

— Só haverá empresas e sociedade sustentáveis quando a jornada de trabalho for reduzida de forma global. Essa diminuição viria, naturalmente, acompanhada de menor distanciamento salarial, e de uma inserção de mais profissionais no mercado, aumentando o poder de consumo — diz Mattar, para quem o Brasil deu alguns passos na direção de maior sustentabilidade social e empresarial. — Mas ainda estamos muito longe de um ideal.

Uma questão de comprometimento

Para Ricardo Voltolini, autor de “Conversas com líderes sustentáveis”, faltam três itens principais para que esse caminho seja atingido mais rapidamente. Um deles, líderes comprometidos com a causa. Outro, líderes que enxerguem a sustentabilidade a partir da ótica da oportunidade de melhores negócios. E, por fim, empresas que coloquem a sustentabilidade como estratégia central:

— O líder mais sustentável ainda não é a regra; ele é a exceção. No entanto, há terreno fértil para se desenvolver esse tipo de liderança nas pequenas, médias e grandes empresas.

Fonte: O Globo, 05/08/2012

Disponível em: www.oglobo.com.br